Em dezembro de 1989, enquanto a União Soviética colapsava, a população romena saiu às ruas e iniciou uma manifestação que tomou conta do país, culminando no julgamento e execução do antigo secretário-geral do Partido Comunista Romeno (PCR), o ditador Nicolae Ceaușescu, e sua esposa Elena, dando fim ao regime comunista controlado pelos soviéticos.
As imagens chocantes das execuções de Ceausescu e Elena, no dia de Natal de 89, marcaram o fim do regime comunista mais violento e opressivo da Europa Oriental.
Nos conturbados dias que seguiram à queda do regime comunista, a organização Frente de Salvação Nacional (FSN) se autoproclamou um governo provisório e Ion Iliescu, seu principal porta-voz, tornou-se presidente da Romênia.
A Romênia parecia se encaminhar para um sistema próspero quando assinou, em março de 1990, a Proclamação de Timisoara, um documento escrito pelos participantes da Revolução de 89, definindo que o país deveria seguir uma democracia de economia livre.
O documento também previa a suspensão de todos os ex-membros do Partido Comunista de exercer cargos públicos por um período de dez anos.
Entretanto, apesar de a FSN ter se esforçado para negar a origem de Iliescu como um ex-membro da alta cúpula do Partido Comunista Romeno, a maioria dos membros do FSN também era do Partido Comunista.
Isso gerou uma nova instabilidade sobre o futuro do país.
A FSN, que, inicialmente, havia anunciado que permaneceria no governo somente até que as próximas eleições fossem realizadas, decidiu se tornar um partido e concorrer às eleições que ela mesma organizaria, contrariando a Proclamação de Timisoara.
Então, no primeiro semestre de 1990, estudantes e professores da Universidade de Bucareste, na capital do país, organizaram protestos em massa antes das eleições de 20 de maio do mesmo ano, que seria a primeira desde a revolução.
O episódio ficou conhecido como “Golaniad”, ou “O Fenômeno da Praça Universitária”, e foi um marco crucial na transição política romena.
A principal reivindicação dos manifestantes era que a Proclamação fosse cumprida e tomadas as medidas legais necessárias para que os comunistas não pudessem concorrer a cargos públicos, de modo a acabar com o legado dos soviéticos e avançar para uma democracia de economia de livre mercado.
Durante os dois primeiros dias de protesto, o governo da FSN enviou uma força policial para agredir e prender manifestantes na tentativa de reprimir a manifestação. A violência, contudo, teve o efeito oposto ao esperado, uma vez que milhares de romenos começaram a aderir à manifestação.
Em 24 de abril, durante uma reunião do Conselho Provisório de Unidade Nacional (PCNU), o autoproclamado presidente Iliescu chamou os manifestantes de “Golani” (bandidos), um termo rapidamente despojado de sua conotação depreciativa e adotado pelos próprios manifestantes que, além disso, batizaram o perímetro que ocupavam de Praça Universitária de Golania (Terra dos Bandidos).
As palavras usadas por Iliescu foi um grande erro, assim como Ceausescu cometeu em dezembro do ano anterior, quando chamou os manifestantes em Timisoara de “Hooligans”. Isso só consolidou ainda mais o movimento e a adesão da população.
A identificação com o nome ficou ainda mais forte quando alguns dos “golanis” decidiram não deixar a Praça durante as repressões da FSN, montando tendas e reivindicando a área da Praça da Universidade como uma “zona livre do comunismo”. Nos protestos, os golanis distribuíam cartazes com as seguintes frases: “Ontem Hooligans, hoje Golanis” e “Nós morreremos, mas seremos livres”.
O local se tornou um espaço de culto à liberdade, onde ocorriam eventos culturais todos os dias. Canções foram compostas na Praça com o propósito de dar continuidade com a Revolução de 89 e de derrubar o governo da FSN. A maioria das canções acusava o governo das mesmas acusações que o antigo governo comunista ditatorial de Ceausescu,
Surgiu, então, o “Hino dos Golani”, cuja letra foi cantada na varanda do Departamento de Geologia da Universidade de Bucareste e entoada por uma multidão. “Melhor bandido do que traidor / Melhor capanga do que ativista / Melhor Hooligan do que ditador / Melhor morto do que comunista!”.
Ainda que o protesto ganhasse proporção, o governo da FSN tinha o controle sobre a única estação de TV do país, que demonizava diariamente o movimento de Bucareste para o resto do país como atos “terroristas” e “fascistas”.
Os romenos foram às urnas nas eleições consideradas “geralmente” livres e justas, após uma campanha marcada pela intimidação e violência contra a oposição por parte da FSN.
Como era de se esperar, o resultado da eleição de maio de 1990 foi catastrófico para os manifestantes: dos 86,19% dos votos válidos, a FSN obteve 85%, enquanto a oposição estava dividida em 73 partidos e outros candidatos independentes. Muitos manifestantes recuaram e abandonaram as manifestações, enquanto outros alegaram fraude.
Porém, nesse ponto, o governo já havia conseguido deslegitimar a manifestação, com a mídia estatal e jornais estrangeiros afirmando que “a democracia significa reconhecer o governo eleito”.
Para acabar com os manifestantes que resistiam, Iliescu resolveu usar uma força extralegal, os mineiros de carvão, dando-lhes permissão para exercer o terror contra os manifestantes. Milhares de mineiros, alguns visivelmente embriagados, armados com martelos, pás, enxadas e outras ferramentas, deram um fim violento às manifestações que já persistia por 52 dias.
De acordo com fontes oficiais, 7 pessoas morreram e mais de 560 foram hospitalizadas. Fontes não oficiais alegam mais de 20 mortos e milhares de feridos.
Embora fosse composto por membros comunistas, a pressão popular não permitiu que um novo regime fosse instaurado.
Nos anos seguintes à sua eleição, contudo, a Frente de Salvação Nacional conseguiu implementar algumas restrições à liberdade de reunião e associação, que foram retiradas apenas na década seguinte.
Illiescu também reconheceu em outubro daquele mesmo ano que estava usando “alguns milhares” de membros da temida Securitate, a polícia secreta de Ceausescu, para manter a ordem pública, mas anunciou sua dissolução pouco depois.
A televisão e os jornais estatais procuraram ser mais equilibrados em sua cobertura, mas geralmente refletiam apenas as posições do governo, enquanto a imprensa independente e os jornais partidários foram alvos de fechamento e intimidação sob Illiescu.
Diplomatas e políticos afirmaram que as escutas telefônicas, prática de espionagem do antigo regime comunista, haviam sido retomadas no governo da FSN.
Os problemas da corrupção generalizada, viés político na mídia estatal e um judiciário corrompido foi um dos legados deixados pela FSN até os dias de hoje.
A Constituição da Romênia, alterada em 2003 para estar em conformidade com a legislação da União Europeia, garantiu a liberdade de reunião e inúmeras manifestações públicas pacíficas foram realizadas nos últimos anos.
Com todos esses problemas, o país ainda é o maior exportador de trigo da União Europeia e o produto interno bruto (PIB) per capita cresceu 10 vezes desde a revolução de 89, tirando milhões de pessoas da pobreza.