Kensington, um bairro de baixa renda no norte da Filadélfia, observou a natureza mutável da crise de dependência dos Estados Unidos há três anos, quando a maioria dos usuários, que agora vivem em barracas, cadeiras de rodas e entre o lixo ao longo da Kensington Avenue, começou a ficar viciado em uma mistura fatal: xilazina e fentanil.
Identificada pela primeira vez nos anos 2000, em Porto Rico, a mistura tem sido usada pelos usuários para potencializar e tornar mais duradouro os efeitos do fentanil, que não duravam tanto quanto os da heroína. A xilazina, também conhecida como “tranq”, é um tranquilizante veterinário para animais de grande porte, como cavalos, e não é permitida para uso em humanos.
Ela pode causar feridas profundas que não cicatrizam, não importa onde você a injete. Elas podem surgir mesmo se você apenas cheirar ou fumar.
Por não ser um opioide, seus efeitos não podem ser revertidos por medicamentos de emergência como o Narcan, resultando em infecção que pode levar a amputações ou à morte se não tratada rapidamente.
O aroma de carne humana apodrecida pelas feridas é o cheiro que predomina na região.
Outra consequência visível da mistura mortal é o chamado “tranq walk”, quando os usuários simplesmente se “desligam” e “travam” no meio da rua com o corpo contorcido, mas ainda de pé. Isso acontece por conta da depressão do sistema nervoso central e da hipotensão que a mistura gera no corpo.
Aliado às feridas e ao cheiro, os usuários costumam ser descritos como “zumbis”.
A exposição dos moradores a esse cenário dramático também tem sido um enorme problema por conta da contaminação cruzada. Muitos moradores já sofreram overdoses ou morreram por terem inalado essa substância andando na rua.
Em um documento obtido pelo Spotlight PA em maio, as autoridades municipais da Filadélfia escreveram que a “a exposição a experiências traumáticas (…) tem sido associada a transtornos por uso de substâncias” e que o trauma dos residentes de Kensington os coloca em maior risco de ser exposto a essas substâncias.
Segundo dados do Departamento de Saúde Pública da Filadélfia do final de 2022, a xilazina estava em 9 de 10 amostras de drogas de rua testadas em laboratório na cidade. Isso significa que 90% das drogas de rua na cidade estão misturadas com a xilazina.
Esse número reflete diretamente nas mortes por overdose. Segundo o Departamento de Saúde da Filadélfia, a xilazina foi encontrada em 34% de todas as mais de 1.400 mortes por overdose da cidade em 2023. Praticamente todas as mortes em que a xilazina foi identificada também envolveram fentanil, formando a droga “tranq”.
No entanto, a porcentagem de overdoses mortais de opioides em que a mistura foi detectada aumentou 276% entre janeiro de 2019 e 2022, segundo o CDC.
A abstinência de xilazina também é poderosa e pode causar ansiedade intensa e disforia que não podem ser tratadas com medicamentos usados para tratar a abstinência de opioides, segundo o Dr. Joseph D’Orazio, médico de emergência e especialista em medicina de dependência do Temple University Hospital, na Filadélfia.
Por outro lado, o governo progressista da cidade insiste numa política de saúde pública chamada “redução de danos”, que consiste em distribuir gratuitamente uma pequena quantidade de fentanil e outras drogas para os usuários, na intenção de tratá-los da abstinência e da “vergonha” de procurar ajuda.
Tanto a xilazina quanto o fentanil são adquiridos, geralmente, por meio de redes criminosas domésticas de farmácias ilegais que fazem prescrições falsas de pílulas que contêm fentanil e metanfetamina.
Em 2023, a Operação Engage Filadélfia, da Administração Antidrogas (DEA) do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, apreendeu mais de 78 milhões de comprimidos falsos com fentanil e quase 12 mil quilos de pó de fentanil.
Isso é o equivalente a 388 milhões de doses letais de fentanil, ou seja, doses suficientes para matar de overdose toda a população americana.
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mostraram que 107.543 pessoas morreram de overdose em 2023 nos EUA. O número fica apenas 3% atrás dos 111 mil mortos que ocorreram em 2022.