(Imagem: Governo da Argentina)
Em agosto de 1994, um atentado suicida com uma van Renault Trafic, que transportava entre 300 e 400 quilos de um composto de nitrato de amônio, alumínio, dinamite e nitroglicerina, foi levada até a frente do prédio onde ficava a sede da comunidade judaica, no centro de Buenos Aires, e posteriormente detonada, matando 85 civis, muitos dos quais eram pedestres que passavam pelo local, e deixando outros 300 feridos. Esse foi o maior atentado terrorista na história da Argentina.
Ao longo das investigações nos anos 2000, onde o ex-presidente Néstor Kirchner governou de 2003 a 2007, seguido por sua esposa, Cristina Kirchner, de 2007 a 2015, a investigação do atentado foi marcada por acusações de encobrimento do governo e destruição de provas, especialmente das relações de membros da Polícia Provincial de Buenos Aires acusados de colaborar com o atentado.
Em 2005, o juiz federal Juan José Galeano, então responsável pelo caso, foi cassado e afastado do cargo sob a acusação de cometer “graves irregularidades” devido à “má condução” das investigações. No ano seguinte, os novos promotores responsáveis pela investigação, Alberto Nisman e Marcelo Martínez Burgos, acusaram formalmente o governo iraniano de dirigir o atentado através do seu grupo terrorista Hezbollah.
No entanto, Nisman também foi o promotor de justiça responsável por acusar a ex-presidente Cristina Kirchner e o chanceler Hector Timerman de terem negociado um plano com o Irã durante sua gestão para encobrir os responsáveis pelo atentado de 1994. Nisman, que era encarregado de investigar o pior atentado da história da Argentina, foi encontrado morto na banheira ao lado de uma arma no dia 18 de janeiro de 2015, um dia antes de apresentar novas provas contundentes no Congresso do país contra Kirchner, Timerman e outros altos funcionários do governo kirchnerista por acobertar os iranianos.
“A decisão deliberada de encobrir os cidadãos iranianos acusados de terem perpetrado os ataques terroristas de 18 de julho de 1994” foi tomada por Kirchner e Timerman, dizia Nisman em um relatório de quase 300 páginas que entregou à Justiça argentina quatro dias antes de sua morte.
A investigação
Após anos de investigação, peritos federais que analisaram a cena do crime e todos os vestígios disponíveis concluíram em um relatório de setembro de 2017 que “Não há dúvidas, Nisman foi executado a sangue-frio”. Sem vestígio de pólvora na mão, a perícia constatou que, quando Nisman recebeu o tiro, ele estava de joelhos, com uma de suas mãos torcidas para trás e a cena foi modificada após a morte para forjar um suposto suicídio por uma possível crise de saúde mental.
A arma do crime foi encontrada na porta do banheiro ao lado do corpo, o que mostra que ele foi baleado e a arma foi jogada ao lado do corpo. O tiro, contudo, foi disparado atrás da orelha e perpendicularmente. Esse não é um procedimento comum em uma pessoa suicida nem mesmo uma forma física de fazê-lo.
Além disso, foram encontrados provas determinantes que comprovaram o assassinato, como o fato de que Nisman levou uma pancada na perna esquerda e outra na cabeça, bem como vestígios de cetamina, uma substância usada para apaziguar uma provável vítima.
Em junho de 2018, a Câmara Federal de Buenos Aires, um tribunal de segunda instância, pôs um ponto final no caso ao declarar em um relatório que foi “comprovado que Alberto Nisman foi assassinado em seu apartamento com um tiro na cabeça”.
O motivo dos atentados iranianos
Segundo a investigação de Nisman, o atentado teve origem no Gabinete de Inteligência e Segurança do Irã, que era chefiado pessoalmente pelo ex-presidente iraniano Ali Akbar Rafsanjani, além de ser composto por membros da Guarda Revolucionária do Irã, que são um conjunto de milícias controladas pelo regime, e as Forças Quds, também criada após a Revolução Islâmica de 1979 para atuar clandestinamente em operações no exterior.
A decisão do atentado, segundo o relatório elaborado por Nisman, ainda teria passado pela aprovação do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, em 14 de agosto de 1993. Menos de um ano depois, em 18 de julho de 1994, isso se tornou realidade com a explosão da van em frente a um prédio onde ficava a sede da Associação Mutual Israelita Argentina, a AMIA.
O relatório considerou um fato estabelecido que o principal ator da realização do atentado à bomba na AMIA e na embaixada israelense “foi o cancelamento unilateral dos contratos de transferência de tecnologia nuclear da Argentina com o Irã”, bem como por ser o país com mais proximidade dos EUA e de Israel na América Latina. Embora tivesse um acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o regime iraniano tinha planos não pacíficos de desenvolver armas nucleares para “extirpar o tumor do corpo do mundo islâmico”, como disse em um sermão o então presidente iraniano Rafsanjani. “A estratégia imperialista será interrompida porque o uso de apenas uma bomba atômica dentro de Israel irá eliminá-lo da face da terra”, acrescentou o ex-presidente.
Nisman ainda ressaltou a intenção do Irã de espalhar a revolução islâmica através do uso explícito do terrorismo. Uma seção do relatório chamada “Métodos utilizados pelo governo do Irã para exportar a Revolução Islâmica” detalhava o modus operandi do terror iraniano. “Há uma dicotomia clara entre as atividades de política externa do Irã, que conduziu abertamente através dos canais diplomáticos normais, e aquelas que conduziu disfarçadamente através de ações ilegais, como o ataque à AMIA”, disse Nisman.
A estratégia do Irã de difundir a revolução islâmica também visava a América Latina. Em maio de 2013, Nisman divulgou um outro relatório de mais de 500 páginas dedicado aos esforços do Irã na América Latina, afirmando que o Estado terrorista desenvolveu “estações clandestinas locais de inteligência destinadas a patrocinar, fomentar e executar atentados terroristas” na Argentina.
No relatório, Nisman ainda detalha as ramificações do Hezbollah, o grupo terrorista libanês financiado pelo Irã, no Brasil, que foi usado como rota estratégica para organizar o ataque. Um membro do Hezbollah residente na Argentina, sob o disfarce de agente cultural, estabeleceu conexões no Paraguai, Chile e Brasil, facilitando os preparativos para o atentado.
Um outro relatório investigativo de 2003 também já tinha revelado que falsos estudantes iranianos viajaram até a Venezuela para adquirir os explosivos, que foram transportados por via marítima até o Brasil, atravessaram parte do território brasileiro de carro em direção ao Paraguai e finalmente chegaram a Buenos Aires. A Justiça argentina havia solicitado a extradição de sete indivíduos ao Irã, porém sem sucesso, pois o país negou envolvimento no caso.